Poucas coisas são tão comuns quanto pegar um resfriado. Estima-se que cerca de 200 vírus possam causar essa infecção, e há quase o mesmo número de remédios caseiros sugeridos para tratá-la. Mas será que esses métodos realmente funcionam?
A essência de qualquer remédio caseiro é ajudar a fortalecer o sistema imunológico. Quando um vírus invade o corpo, ele enfrenta duas linhas de defesa. O sistema imunológico inato tenta eliminar as células invasoras, enquanto o sistema adaptativo foca em combater patógenos específicos que o corpo já encontrou antes.
Além disso, o sistema adaptativo cria células de memória quando identifica novos patógenos, permitindo ao corpo reagir melhor caso eles voltem a aparecer. É por isso que, por exemplo, geralmente só pegamos catapora uma única vez na vida.
O resfriado comum tem a capacidade de mudar sua “aparência” ao passar de uma pessoa para outra, o que dificulta o reconhecimento pelas nossas células de memória imunológica. Por isso, é possível pegar resfriados várias vezes ao longo do ano.
Sabemos que fatores como alimentação e estilo de vida influenciam diretamente a força do nosso sistema imunológico. Por essa razão, muitos remédios populares para tratar o resfriado comum ganharam destaque nas redes sociais, acompanhados da promessa de que poderiam ajudar na proteção durante a pandemia de Covid-19.
Mas, afinal, quais remédios podemos usar para tentar enfrentar um vírus ou um resfriado?
E o alho?
O sistema imunológico de pessoas saudáveis só tende a ser comprometido em casos de deficiência de vitaminas ou minerais essenciais. Por isso, incluir alimentos que supostamente ajudam a combater o resfriado não fará grande diferença se sua dieta já for razoavelmente equilibrada, afirma Charles Bangham, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Imperial College de Londres.
“Somente quando há falta de um nutriente vital, como vitaminas, zinco ou ferro, a suplementação dessa substância específica pode ter um impacto significativo”, explica Bangham. “Mas, se sua alimentação for balanceada, consumir uma quantidade extra desses nutrientes não tornará o sistema imunológico mais eficiente.” O grupo que recebeu placebo contraiu 65 resfriados, que resultaram em 366 dias de doença. Já os participantes que receberam suplementos de alho, ao todo, contraíram apenas 24 resfriados, totalizando 111 dias de doença.
E a vitamina C?
Outro suplemento muito procurado pelas pessoas quando sentem sintomas de resfriado é a vitamina C.
Uma revisão de evidências conduzida em 2023 revelou que suplementos de vitamina C podem diminuir de forma significativa, em aproximadamente 15%, a gravidade de sintomas leves do resfriado comum, como coriza, tosse e dor de garganta. As evidências sugerem, segundo os pesquisadores, que os suplementos de vitamina C podem ser ainda mais eficazes em aliviar os sintomas mais graves do resfriado comum.
Em outro estudo, os cientistas concluíram que, devido ao baixo risco associado aos suplementos de vitamina C, pode valer a pena experimentá-los para avaliar possíveis benefícios.
Por outro lado, o suco de laranja não apresenta a mesma eficácia. Não há evidências sólidas de que ele ajude a prevenir resfriados, aliviar sintomas ou reduzir a duração da infecção.
Isso acontece porque o suco de laranja não contém doses suficientemente altas de vitamina C para gerar o mesmo impacto que os suplementos, explica Harri Hemilä, pesquisador de saúde pública da Universidade de Helsinque, na Finlândia, e autor da análise mencionada anteriormente.
Uma garrafa padrão de suco de laranja fresco contém cerca de 72 mg de vitamina C, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Embora essa quantidade supere o mínimo diário recomendado de 40 mg, ainda é inferior à presente na maioria dos suplementos.
O zinco ajuda?
O zinco também tem sido investigado. Uma análise avaliou a eficácia de pastilhas para a garganta contendo uma dose diária de 80-92 mg de acetato de zinco no combate aos sintomas do resfriado comum.
O estudo concluiu que, se iniciado dentro de 24 horas após os primeiros sintomas, o uso de 80 mg por dia de pastilhas de acetato de zinco pode ajudar no tratamento do resfriado comum.
Pesquisas anteriores também apontaram melhorias nos sintomas do resfriado entre pessoas que usaram suplementos de zinco. No entanto, os resultados indicam que a eficácia depende da dose administrada e da duração do tratamento.
Um estudo realizado em 2020 pediu aos participantes que tomassem pastilhas contendo 72 mg de zinco ou placebo por cinco dias. Após esse período, eles foram acompanhados por mais 10 dias. Os resultados mostraram que o suplemento de zinco não acelerou a recuperação dos participantes com resfriado comum.
Curiosamente, nos dois primeiros dias após o início do tratamento, aqueles que receberam placebo apresentaram recuperação mais rápida do que os que tomaram zinco.
Os pesquisadores destacaram, no entanto, que esses resultados não necessariamente descartam a eficácia do zinco. Eles sugerem que novos estudos são necessários para avaliar se doses mais altas ou tratamentos mais prolongados podem produzir resultados diferentes. No caso do zinco, a forma de administração faz toda a diferença. Para ser eficaz contra o resfriado, ele precisa ser consumido na forma de pastilhas para a garganta, e não como comprimidos comuns ou por meio de alimentos ricos nessa substância, afirma Harri Hemilä.
“As pastilhas de zinco são dissolvidas lentamente na região da garganta, e o efeito do zinco ocorre localmente”, explica Hemilä.
“Não sabemos exatamente qual é o mecanismo bioquímico desse efeito, mas estudos mostraram que as pastilhas eficazes são aquelas grandes que levam até 30 minutos para se dissolver na boca.”
O efeito placebo
Uma complicação frequentemente ignorada pelos pesquisadores é se os participantes já apresentavam deficiência de substâncias, como vitamina C ou zinco, antes de iniciar o uso dos suplementos.
Nesse contexto, os possíveis benefícios no combate ao resfriado podem estar relacionados à correção de deficiências preexistentes em alguns indivíduos, e não necessariamente a uma eficácia direta do suplemento em pessoas que já são saudáveis.
Outra complicação a ser considerada é o efeito placebo. Embora muitos estudos, como os de suplementos de alho, incluam um grupo controle que recebe apenas placebo, isso não significa que a eficácia dos suplementos seja explicada unicamente por esse efeito.
Se acreditarmos que algo realmente nos cura, mesmo com pouca ou nenhuma evidência científica como o suco de laranja ou a canja de galinha o efeito placebo pode, de fato, trazer benefícios.
Já foi demonstrado que o efeito placebo pode aliviar muitos sintomas, desde dores até a síndrome do intestino irritável, embora ainda não saibamos completamente os motivos por trás disso. Com a vitamina C ou até com a canja, o efeito placebo sozinho poderia ajudar a superar um resfriado.
Um estudo descobriu que pessoas que acreditavam nas supostas propriedades do fitoterápico Echinacea para combater o resfriado apresentaram infecções mais curtas ao tomar doses diárias, em comparação com aquelas que não acreditavam em sua eficácia. Por outro lado, participantes que não sabiam que estavam tomando Echinacea não perceberam melhora nos sintomas.
No entanto, não sabemos se esses resultados são suficientes para explicar por que os participantes que tomaram placebo no estudo anterior se recuperaram mais rapidamente do que aqueles que tomaram zinco.
O efeito placebo também pode atuar de forma inversa. Por muito tempo, acreditou-se que o leite aumentasse a produção de muco durante o resfriado. Embora essa crença tenha sido desmentida, um estudo observou que pessoas que acreditavam que o leite causasse muco relataram mais sintomas respiratórios após consumir a bebida.
Os placebos são comumente administrados por médicos em testes clínicos, mas o efeito placebo dos remédios caseiros pode surgir do nosso cotidiano, afirma Felicity Bishop, professora de psicologia da saúde da Universidade de Southampton, no Reino Unido.
“Pesquisas indicam que o efeito placebo de uma pílula vem de um relacionamento de confiança entre o paciente e o profissional de saúde alguém que se importa e oferece tratamentos com confiança”, explica ela.
“É o que os pais fazem quando somos jovens. A natureza dos relacionamentos é o que importa, não quem a pessoa é.”
Além do apoio de amigos e familiares de confiança, o efeito placebo também pode ser amplificado pela publicidade de alimentos, segundo Bishop.
A boa notícia é que, mesmo sabendo que os remédios caseiros são placebos, isso não impede que eles aliviem nossos sintomas.
“Mesmo que o médico informe o paciente de que uma substância é placebo, mas que ajudou algumas pessoas, seu consumo ainda pode ser benéfico”, diz ela.
Outro fator relevante pode ser o efeito reconfortante gerado por esses alimentos. A nutricionista Sarah Schenker afirma que o bem-estar proporcionado pela canja de galinha, por exemplo, pode fazer com que alguém com resfriado se sinta um pouco melhor.
Além da quantidade de vitamina C que mantemos no corpo, a capacidade de combater os vírus no inverno depende muito de cada indivíduo não apenas de quanto acreditamos nos placebos, mas também de nossos genes.
“Os genes de algumas pessoas as tornam mais suscetíveis a determinadas doenças. É fundamental entender que somos todos geneticamente diferentes”, explica a especialista.
“Enquanto algumas pessoas não percebem que estão doentes quando pegam gripe, outras enfrentam sintomas muito mais graves. Isso, em parte, é determinado pelos seus genes, que têm um impacto muito maior.”
Para a maioria de nós, com sistemas imunológicos saudáveis, podemos apenas confiar no poder dos placebos para nos proteger dos vírus do inverno… mas tomar suplementos de alho ou zinco também pode ser útil.
Esta reportagem foi originalmente publicada em janeiro de 2019 e atualizada em dezembro de 2024 para incorporar pesquisas mais recentes.
Fonte: G1