Quando substituímos a tinta de uma impressora por uma mistura de células, moléculas e materiais compatíveis com o corpo, podemos criar tecidos humanos bioimpressos. Uma startup em Campinas (SP) está utilizando essa mistura para produzir tecidos que têm aplicações desde a pesquisa até a indústria.
A empresa atualmente fabrica modelos de pele, barreira intestinal e esferoides de fígado. Esses modelos são úteis para testes na indústria farmacêutica e cosmética. Também são utilizados por pesquisadores para analisar toxicidade, eficácia e segurança de produtos.
Segundo Ana Luiza Millás, diretora de pesquisa da startup, a principal vantagem dos tecidos bioimpressos é que eles permitem reduzir, substituir e aprimorar o uso de cobaias animais nos testes, sem comprometer a eficácia dos resultados. Em março de 2023, o Concea proibiu o uso de animais vertebrados em pesquisas de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, o que intensificou a busca por alternativas.
“Se você não consegue substituir totalmente o uso de animais, como é o caso da indústria farmacêutica, você consegue pelo menos reduzir com os modelos alternativos, e os modelos alternativos são ainda mais preditivos do que o animal. […] A gente reconstrói um tecido humano, usando células humanas. Não é o tecido do animal.”
Como os tecidos são feitos?
Para fazer a pele, a equipe usa células humanas obtidas de tecidos descartados de cirurgias de fimose em crianças em um hospital em Santa Bárbara d’Oeste (SP). Essas células produzem colágeno tipo I mais rapidamente. Depois, as células são misturadas com uma solução que contém polímeros seguros para o corpo. Uma impressora 3D especial cria o tecido, camada por camada, resultando em pequenos discos gelatinosos em placas transparentes.
“Os modelos de pele têm uma proposta muito próxima da indústria de cosméticos, que não pode testar mais novas formulações em animais, e se expande à indústria química, aos agrotóxicos, brinquedos, tudo que vai entrar em contato com a pele de uma criança, de uma pessoa”, diz Pedro Massaguer, diretor de estratégia e inovação.
👉 O modelo de barreira intestinal foi desenvolvido pela empresa em colaboração com o Laboratório Nacional de Biociências (LBNio) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. Com essa barreira intestinal criada pela bioimpressão, é possível examinar a toxicidade, absorção e metabolismo de medicamentos e nutrientes, até mesmo prever processos inflamatórios. Além disso, o modelo permite estudos sobre a flora intestinal e a eficácia de substâncias ativas. Já os tecidos hepáticos são produzidos a partir de células importadas e de um banco localizado no Rio de Janeiro, podendo também ser usados para estudar medicamentos ou produtos destinados a tratar doenças hepáticas.
Desafios e logística:
De acordo com a diretora de pesquisa da 3D Biotechnology Solutions, o principal obstáculo para a ampla utilização dos tecidos bioimpressos pela indústria é a capacidade de aumentar a produção de células e o tamanho dos produtos de forma escalável.
“A gente consegue fazer estruturas diminutas ainda, pequenas, com a complexidade que os tecidos têm dentro do nosso corpo. Então, conseguir escalar tanto na tecnologia do equipamento quanto do processo da célula biológica”, destaca Ana Luiza Millás.
Outro desafio na produção é a necessidade de adaptar a logística para o transporte dos tecidos. Durante esse processo, é crucial que os produtos permaneçam estéreis e imóveis. Embora haja transportadores especializados para isso, a demanda está apenas começando. A dificuldade reside no fato de que o transporte precisa ser praticamente imóvel para evitar a contaminação e a deterioração dos tecidos.
Fonte: G1